1992.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Lavar As Ruas.

Se estas ruas falassem, contariam milhões de olhares e sorrisos de cumplicidade e sedução, contariam mil e um beijos escondidos e tímidos, mas beijos que têm vontade de ser mais do que beijos. Elas contariam também o que é o amor, e o que é o odio, e o que é a repugnância e a ganância, contariam as verdades das mentiras e as riquezas mal divididas.
Estas ruas explicariam-nos também a vida de várias vidas, contariam o amor de várias vidas que se juntaram numa só, contariam inúmeros solitários mas sorridentes, outros mais descontentes.
A calçada, se falasse, ia dizer-nos e fazer-nos acreditar que à noite é um hotel, não é muito luxuoso, mas sempre dá para um sono mal dormido.
As ruas são imensas, e fazem-nos acreditar que existe mais do que a nossa pobre visão alcança, fazem-nos acreditar que é possível descobrir o início e o fim do arco-íris, e que as auroras boreais não existem só no Canadá, mas também na rua com que nos cruzamos todos os dias.
Todos nós usamos estas ruas, fazemos delas o esconderijo das nossas lágrimas e lamentações, fazemos delas o espectador principal dos nossos sorrisos e alegrias, fazemos das ruas os juris daquilo que trazemos vestido saímos para as ruas só para mostrar o nosso vestido novo de engate, muitas vezes eu própria faço das ruas um local onde é permitido um beijo mais ousado, daqueles que têm vontade de ser mais do que um beijo, e sei que todos o fazem, as calçadas são bancos de jardim, onde nos sentamos milhões e milhões de vezes, são palco de tantas vozes, ou de estátuas humanas, umas de barro, outras de uma maquilhagem toda psicadélica, ou então têm um simples lençol branco e "oferecem-nos" chupa-chupas.
Ainda assim, depois de todos nós nos servirmos destas ruas e destas calçadas, não as lavamos para que amanhã venham outros fazer dela tudo o que nós fizemos hoje, nós servimo-nos das ruas e das calçadas e ainda lhes cuspimos em cima.

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